segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Capítulo um - Maldição.

O LAÇADOR - Espírito Gaúcho.
O sol ainda não nasceu na madrugada pampeana, e o sereno faz com que fique muito difícil de enxergar o trecho de chão batido de onde vem a carreta puxada por dois bois do estanciero Nelson Terêncio. Ele retorna para casa depois da lida no campo onde tratou da plantação e colheu o almoço e a janta para este dia que lhe promete ser especial. Quando ele chega em casa encontra a mãe, como sempre, rezando em seu altar com a imagem da cruz que lembra do sacrifício do filho do Patrão Velho.
- Mãe! Trouxe alface boa, milho, feijão... vai dar pra fazer uma comida bem boa.
- Ela teve aqui faz pouco.
- Ela quem, Mãe?
- Tua noiva. É pra ela que tu colheu o melhor milho, não é?
- Não, Mãe. Porquê? Ela disse que vem?
- Disse. No meu tempo moça solteira não vinha visitar homem sozinha. É com uma mulher assim que quer se casar?
- Não sei porque a senhora implicou com ela. É moça boa, filha do Coronel Lino.
- Não importa, eu vejo que ela não presta pra ti. Te avisei.
- Tá bom, Mãe. Eu vou carnear um novilho pra nós três na janta então. Enquanto isso a senhora faz o favor de encilhar o cavalo pra mim buscar ela.
- Era só o que faltava! Gasta tudo o que a gente tem de melhor para aquela miserável e ainda quer que eu vá encilhar o cavalo pra ela? Nunca! Pra mim vai ter que trazer ela nas costas!
- Pois eu te digo, Mãe, se eu voltar depois que tiver carneado o novilho a senhora não tiver encilhado o pingo, eu trato de encilhar a senhora mesmo. E vai me levar nas costas pra buscar a Linda.
A velha nada responde, só entra na casa bufando de raiva e vai direto rezar. Ela pede:
- Quero que a lua amaldiçoe este ingrato se ele for atrás daquela vadia!
Depois destas palavras, um trovão relampeia no céu, como se fosse um aviso de que o Patrão Velho escutou a promessa.
Nelson trabalha o dia inteiro preparando tudo para a noite com a noiva. Um novilho bem carneado, as botas bem lustradas, o chapéu e a bombacha alinhados... tudo pronto, menos uma coisa:
- Mãe! E o cavalo? Cadê o meu cvalo que eu pedi pra senhora encilhar?
- Já te falei! Vai trazer a vadia nas costas! Eu não vou fazer nada pra agradar essa desviada!
Como se estivesse possuído por um ódio sem limites, Nelson Terêncio vai de encontro a Mãe e diz:
- Faz logo o que te mandei! Encilha meu cavalo, anda!
Um tapa na cara é a resposta da Mãe. Então ele pega a mulher pelo braço e a arrasta aos gritos até a estrebaria, pega a sela, põe nas costas dela e monta na própria Mãe!
- Pois agora tu mesmo vai me levar até a casa de minha noiva, e depois volta trazendo nós dois nas tuas costas!
Então, de relho em punho ele toca a própria Mãe como se fosse uma égua. Ela vai engatinhando pelas vielas de chão batido e cascalho, chorando de dor. Os joelhos começam a sangrar, e quando vão lhe faltando as forças o filho lhe toca o relho. Ela segue o martírio, quando do céu relampeia um forte trovão e a velha cai no chão. O filho bate de novo com o relho gritando para ela levantar, mas ela não responde. Ele desce e olha para o rosto dela, que dá o último suspiro.
- É morta, morta! Eu matei a minha própria mãe!
Nelson cai em si de sua extrema maldade e fica descontrolado. Nisso, uma núvem que cobria a luz da lua se move e o lumiar dela atinge as costas de Nelson como se fosse um raio e ele é erguido do solo urrando de dor. Seu corpo vai mudando, crescendo, rasgando as roupas e pêlos vão cobrindo toda a extensão de seu corpo. O rosto também muda, os olhos ficam totalmente negros, a boca cresce e surgem enormes presas. A língua salta para fora da bocarra pingando saliva. As mãos dobram de tamanho, com dedos finos e compridos e as unhas agora são enormes garras. Nelson terêncio agora é acometido pela maldição da lua cheia, deixando de ser um homem para se transformar num monstro. Um Lobisomem!
Um castigo do Patrão Velho, só pode ser isso. Pelo seu ato de extrema ruindade ele é agora uma criatura horrenda. Ele precisa de ajuda, e vai até a estância onde mora a sua noiva para lhe cintar tudo o que aconteceu. Ela o ama por isso, pensa ele, vai lhe ajudar.
É tarde da noite, e ele encontra todas as portas fechadas. Ele vai até a janela do quarto de sua noiva e bate para chamá-la. Quando a moça abre a janela e encara o monstro ela toma o maior susto da sua vida e grita por socorro. Nelson tenta explicar tudo a ela, mas as palavras não saem da sua boca, só grunhidos.. Com o alvoroço o sogro desperta e já sai com a espingarda em punho, atirando contra o monstro ferindo-o no ombro. Ele cai da janela e rola pelo gramado se voltando contra o pai da moçaque dispara novamente atingindo a criatura nas pernas. O bicho apavorado, foge correndo em disparada.
- Calma minha filha, o monstro foi embora.
- Ele bateu na minha janela como se estivesse me chamando. Era horrível!
- Vem pra dentro querida, vou por um empregado de vigia. Se o bicho preto aparecer de novo, vai levar mais fogo. Agora entra, filha, entra!
- Era horrível, pai! Nunca vi nada assim tão monstruoso! Horrível, que monstro horrível!
Ah, estas palavras... que saem da boca de sua própria noiva, falando de sua nova e grotesca forma. O que era amor transforma-se agora em ódio e revolta. Ele sai correndo pelos campos, subindo a serra no ponto mais alto, e ali começa a chorar. Mas o que se faz ouvir ali não são os lamentos de um ser humano, e sim os uivos de uma criatura amaldiçoada a ser um Lobisomem.
No dia seguinte os moradores encontram o corpo da mãe de nelson morta na estrada, e juntamente com os relatos da família do Coronel Lino sobre o ataque da noite passada admitem: Há uma criatura assassina há solta pelos arredores. Eles organizam um grupo de homens armados e saem na caça do animal. Eles saem para todos os lugares a procura do monstro que foi apelidado por todos de Bicho Preto. Alguns homens encontram várias carcaças de novilhos espalhados pelos campos nas proximidades do morro. Pode ser uma pista, pois é possível que o próprio monstro tenha se alimentado dos animais.
Eles se organizam entre oito ou nove homens e vão subindo o morro. Quanto mais eles sobem, mais carcaças de animais devorados são encontrados pelo solo. Até que as pistas dão numa entrada de uma caverna no topo do morro. Os homens se benzem:
- Patrão Velho, nos dá força!
Quando a tropa adentra na caverna eles se deparam com uma visão que será a mais terrível de suas vidas, e também a última. A criatura que ontem era um lobo agora é um homem, que alimenta-se com as mãos e o rosto imundo de sangue. Pelo chão dezenas de ossos espalhados.
Apavorado e repulso, um dos homens fala:
- Então és tu, Nelson! Se transformou em um lobisomem, matou sua própria mãe e estripou toda a sorte de bicho morto que se espalhou pela pradaria.
Nelson responde com a voz raivosa:
- Vão embora! Não me perturbem!
- Animal! Vamos acabar com a tua raça!
Então os homens engatilham as suas armas para dispararem em Nelson, mas agora ele tem uma agilidade ímpar, e antes que eles disparem o primeiro tiro ele já está mordendo o pescoço de um deles.
O desespero toma conta do lugar. O homem Nelson se mostra tão furioso quanto a criatura em que ele se transforma à noite. Um tiro ainda o atinge no braço, mas ele nem titubeia. Continua atacando e massacrando os homens dentro da caverna até que só reste um vivo:
- Por favor, Nelson, não me mate! Por favor!
- Porque vieram me caçar?
- Todos estão com medo do monstro que você se transformou. Muitos já estão abandonando a vila, inclusive a tua noiva.
- Linda, ela foi embora? Pra onde?
- Ela pegou o trem pra capital hoje cedo. Só ficou o pai dela na fazenda.
- Maldito, eu vou lá matar o infeliz! Depois vou atrás da minha noiva.
Com um torcer de pescoço ele executa a última vítima dentro da caverna, rouba-lhe a roupa e vai até o campo para pegar a animal dele que está aguardando alguém que jamais voltaria da caverna com vida e monta no animal, saindo em disparada rumo a estância de seu sogro.
Quando Nelson chega no local ele vislumbra o sogro, como sempre, sentado numa cadeira de balanço, de espingarda em punho.
- Eu estava no teu aguardo, Nelson. Já sei de tudo. Tu é o Bicho Preto!
- Porque o senhor me espera armado? Nunca quis o teu mal. Sempre respeitei a ti e a tua filha.
- Fica longe da Linda, animal!
- Não! Amo a tua filha e quero ela pra mim. Mesmo agora.
- Nunca! Mandei ela embora daqui pra nunca mais vê-la. Enquanto a ti, te mandarei pro inferno donde é o teu lugar!
O coronel Lino dispara a espingarda e os tiros estufam o peito de Nelson, que nem treme. Continua avançando até ficar defronte ao sogro.
- Criatura maldita, nunca terá a Linda! Ela te repudia, tem ódio e medo de ti.
- Ela não sabe o que me aconteceu. Eu vou atrás dela e vou contar tudo. Nosso amor é forte e vai superar tudo isso. Nós vamos ficar juntos pra sempre.
Nelson toma a espingarda das mãos do sogro e dispara contra ele explodindo a cabeça do velho.
Se é para a capital que sua noiva foi, é para lá que ele deve ir. Ele vai até a estação e pega o próximo trem , mas logo irá anoitecer e a criatura dentro dele irá despertar. Ele se tranca em uma das cabines do trem e repousa aguardando o que está por vir.
Pobre dos outros passageiros quando o lobo acordar!
... PROSSEGUE ...

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